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Roube essa ideia

Um velho ditado diz que se eu tenho uma maçã e te dou a maçã, você sai andando com uma maçã e eu fico sem nada. Se você tem uma ideia e a “dá” para mim, nós dois saímos com uma ideia.

Por: Fábio Zugman

O Oscar de melhor diretor para o filme “A Vida de Pi” me fez pensar em um velho tema quando falamos de inovação. Aparentemente, o autor do livro em que o filme é baseado roubou a ideia do escritor brasileiro Moacyr Scliar. Após uma resposta mal educada dizendo que sequer tinha lido o autor e referindo-se ao brasileiro como um “escritor menor”, Yann Martel, autor de A Vida de Pi fez um agradinho citando o brasileiro no prefácio de seu livro.
O filme continua sendo um trabalho fantástico. Uma boa história nas mãos de um brilhante diretor. A discussão sobre a cópia do texto, apesar de mexer com nossos brios nacionalistas, diminui o autor pela sua reação, mas não diminui a obra.
Acusações de roubo de ideias são tão antigas quanto a história das ideias em si. Há brigas famosas, como a de Isac Newton com Leibniz sobre quem teria inventado o cálculo. Outras mais próximas de nós, como a eterna ofensa dos brasileiros quando lembram que em outros lugares do mundo Santos Dummont não é considerado o “pai” da aviação.
No mundo acadêmico, a preocupação com cópias (os chamados plágios) virou algo quase que obrigatória, com instituições investindo em sistemas e treinamentos de professores para pegar alunos “roubando” conteúdo da Internet.

E então eu lembro do velho ditado que diz que se eu tenho uma maçã e te dou a maçã, você sai andando com uma maçã e eu fico sem nada. Se você tem uma ideia e “dá” ela para mim, nós dois saímos com uma ideia.
Talvez, ao invés de perguntar se Scliar foi realmente plagiado em “As Aventuras de Pi”, seja melhor perguntar por que, em um país tão grande e populoso, tão poucos autores atingem público internacional suficiente para serem copiados. Por que, se Santos Dummont é o pai da aviação, menos de um século depois eram os Russos e Norte Americanos que se lançavam à corrida espacial lançando satélites e colocando pessoas na Lua. Perguntar não se Newton ou Leibniz inventaram o cálculo, mas como ao longo da história algumas pessoas parecem ser altamente produtivas, enquanto a maioria de nós desaparece sem merecer uma nota de rodapé nos livros de história? Leibniz, afinal, era um grande matemático sem precisar inventar o cálculo. Newton, além de ser considerado um dos maiores cientistas que o mundo já viu, chegou à conclusão que a melhor forma de evitar a falsificação de moedas era gravar riscos em suas laterais – inovação que pessoas do mundo inteiro ainda carregam no bolso em suas moedas.
No mundo acadêmico, perguntar não “se” o aluno copiou a resposta, mas que educação é essa em que as respostas podem ser encontradas na Internet? Pior, que sistema é esse que espera que alunos memorizem fatos que hoje estão livremente disponíveis, ao invés de aprender a buscar e utilizar conhecimento, aprendendo a identificar o que é relevante e o que não é, e o valor de citar suas fontes, não para provar que leu ou homenagear outros autores, mas como forma de mostrar ao leitor de onde veio o raciocínio apresentado?
A verdade é que toda ideia, toda inovação precisa vir de algum lugar. Existe uma imagem de que grandes ideias nascem na cabeça de alguns “gênios” como se uma lâmpada acendesse. É uma imagem completamente errada. Toda grande ideia foi inspirada por outra ideia. A história da humanidade é baseada em melhorias, pessoas aprendendo algo, tomando ideias emprestadas e propondo suas próprias versões de algo que outros já criaram.
Uma história famosa, daquelas que só o mundo real é capaz de produzir, merece ser contada: Steve Jobs, tendo lançado pela Apple o primeiro computador estilo “desktop” (com gráficos, como hoje é natural), confrontou Bill Gates, fundador da Microsoft por ele estar copiando a ideia para o Windows. Bill Gates deu uma resposta que ficou famosa: “Me parece Steve, que nós dois tínhamos um vizinho rico chamado Xerox, e eu entrei na casa dele para roubar a televisão, mas você já a tinha roubado.”
Quem inventou a metáfora de “mesa de trabalho” para computadores não foi a Apple nem a Microsoft. Foi a Xerox, que por sua vez copiou o modo como as pessoas organizavam suas mesas no escritório antes do computador ser inventado.
Lembre-se, caro leitor: ideias não são televisões. A ironia é que quanto mais compartilhada é uma ideia, mais valor ela toma ao longo do tempo. Imagine onde estaríamos se os monitores com gráficos estivessem até hoje escondidos em algum porão na Xerox como estavam quando Steve e Bill passaram por lá?
Se você mostrou uma grande ideia para o mundo, é justo que seja reconhecido por ela. Se sua empresa lançou um grande produto ou serviço, é justo que ganhe dinheiro. Autores, músicos, artistas e empresas devem sim receber pelas suas inovações. Uma vez que você comprou um livro, deu ao autor o retorno que ele espera pelo trabalho, as ideias ali passam a também ser suas. E você pode usá-las como e quando quiser.
Então, por favor, roube essa ideia.
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