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10 tendências para os próximos 10 anos – Episódio 2 O Fim das Escolas (pelo menos como as conhecemos)

O Fim das Escolas (pelo menos como as conhecemos)

Aos 15 anos…

“Não inventa moda! Faça como eu ensinei!”

“Por que vocês têm que aprender isso? Porque cai na prova.”

“O trabalho é individual! Se eu descobrir que vocês fizeram juntos vou dar zero para todos!”

“Não, só tem uma resposta certa!”

“A prova é sem consulta!”

“Você tá querendo aparecer? Coloca uma melancia no pescoço…”

Aos 25 anos…

“Sejam criativos! Se não inovarmos, vamos ficar para trás…”

“Não preciso que você me prove que sabe, precisamos de resultados!”

“Vocês vão ter que aprender a trabalhar em equipe! Chega de individualismo e competição por aqui!”

“Quero que vocês me tragam diferentes soluções para o problema… Vamos discutir as alternativas viáveis antes de tomar decisões…”

“Não tentem reinventar a roda… Vamos fazer um benchmarking!”

“Se seu trabalho não for conhecido, você não cresce aqui na empresa!”

Não é preciso ir muito longe para identificar as assimetrias entre o que as escolas ensinam aos nossos jovens e o que eles efetivamente precisam para o presente e para o futuro.

Me refiro ao presente e ao futuro e não ao mercado de trabalho, apenas, pois acredito que a escola deve “preparar para a vida” e não focar em objetivos concretos, sejam eles o ENEM, o vestibular ou uma carreira específica. “Ensinar a Viver”, como nos brindou Edgar Morin, aos 94 anos, em seu manifesto para mudar a educação.

“Preparar para a vida”, entre aspas, pois a vida não é algo “manualizável”. Não é uma história com começo, meio e fim, que aceita roteiros e receitas, mas sim uma sucessão de acontecimentos e experiências, planejadas ou não, que exigem de nós capacidades como análise crítica, flexibilidade, resiliência, capacidade de aprendizado e inteligência emocional — muitas vezes ao extremo.

Gosto de analisar a etimologia das palavras para ver se elas trazem insights ou dicas sobre o que procuravam expressar, antes de terem sido eventualmente corrompidas. E é curioso descobrir que isso provavelmente aconteceu com a palavra escola — que vem do grego scholē— e significa lazer.

Não é preciso também pensar muito para concluir que inicialmente as escolas foram concebidas para oferecer lazer para as pessoas e, posteriormente, para educá-las. E o que vemos é exatamente o inverso disso.

Apesar dos recentes avanços, ainda tímidos, da Base Nacional Comum Curricular (http://basenacionalcomum.mec.gov.br/), ainda estamos atados a uma metodologia predominantemente focada em transmissão de conteúdos fragmentados, pasteurizada e (quase) nunca focada no aluno e em suas necessidades.

Vejamos alguns exemplos:

Valorizamos a memória e a acumulação em detrimento à experimentação e à socialização.

Favorecemos o comum e a massificação em contraponto ao ensino personalizado e à descoberta de talentos calcados em inteligências múltiplas, diferenciadas.

Estimulamos o individualismo, a competição, e deixamos pouco terreno para a colagoração e para o compartilhamento.

E, de forma tão impactante aos nossos jovens, damos mais importância à atenção — e muitas vezes a seus reais ou estimados déficits — do que à energia criativa, em prol de uma suposta “inteligência”.

O que pensaria Albert Einstein, que nos brindou com a frase “A criatividade é a inteligência se divertindo”?

Ora… Mas também o que poderíamos esperar de algo chamado “currículo”, que em sua essência, sua origem, do latim, quer dizer “corrida ou lugar onde se corre”?

Correr, para onde? Por que não parar, explorar, refletir?

Enfim…

O tema central dessa discussão é: que escola você quer para seus filhos?

Talvez você ainda queira uma escola tradicional, de ensino “forte”, disciplinadora, focada no vestibular ou no ENEM. Eu respeito sua decisão. Afinal, é isso que a sociedade valoriza hoje em dia e você não deveria, claro, arriscar a competitividade dos seus filhos em uma sociedade tão individualista.

Mas ao invés de pensar hoje em dia, eu procuro imaginar como será nosso mundo daqui a 10 ou 15 anos, quando meus dois filhos — uma menina de 3 anos e 4 meses e um menino de 7 meses — estarão se preparando para enfrentar um novo mundo, dessa vez sozinhos.

Um mundo, acredito, em que as escolas, os currículos e as formações como conhecemos hoje deixarão de existir, para dar lugar a um processo muito mais dinâmico, exploratório, flexível, volátil. De experimentação, de erro e de acerto, muito mais do que de acúmulo e coerção.

Um mundo no qual os conteúdos e as formas de acessá-los serão, com o perdão do termo, commodities pouco valorizadas.

Eu procuro, em resumo, um lugar onde meus filhos possam ser felizes e que tenham segurança para aprender. Para desaprender e reaprender, principalmente.

Com esse objetivo, estimulei discussões acerca dessa e de outras perguntas para mais de 2000 pessoas em minha rede.

Vejamos algumas:

  • O quanto o que você aprendeu na escola contribuiu para o que você é hoje?
  • Se você voltasse no tempo, o que gostaria de ter aprendido?
  • Como você gostaria de ter aproveitado seu tempo de escola?
  • O quanto você está satisfeito com as escolas e com o ensino dos nossos dias?
  • Que escola queremos verdadeiramente para nossos filhos?
  • Que competências queremos que eles desenvolvam e dominem, para o presente e para o futuro?

A energia desprendida para sugerir, comentar, criticar, construir e desconstruir esse contexto foi brutal, contagiante e surpreendente.

Centenas de pessoas externaram suas visões e  ideias.

Visões diferentes, claro, mas intensamente preocupadas. Visões que apontam e invocam, de forma indiscutível, meios de educação que privilegiem e desenvolvam:

  • O protagonismo, o empreendedorismo e a autonomia.
  • A capacidade de aprender, desaprender e reaprender conceitos, técnicas e ferramentas.
  • A análise crítica e a capacidade de buscar, processar e filtrar informações e percepções.
  • O autoconhecimento e a capacidade de reconhecer os próprios talentos e desejos.
  • O domínio — ou pelo menos o entendimento — das próprias emoções e das emoções dos outros; a empatia.
  • A criatividade e a capacidade de identificar e solucionar problemas; inovação.
  • A capacidade de visualizar caminhos e planejar ações, com pensamento estratégico.
  • A capacidade de se comunicar e de se relacionar com os outros, independente das mídias preponderantes.
  • A busca por construir associações proveitosas, compartilhando e colaborando com os demais.
  • O domínio das habilidades numéricas.
  • A percepção da natureza, do ambiente e a consciência sustentável.
  • A tomada de decisões, sustentadas.
  • A felicidade e a segurança.

Não pretendo defender aqui um método pedagógico específico (até para evitar discussões com base em correntes e crenças, e deixar o debate mais livre e menos polarizado), apesar de entender que alguns desses métodos já defendem diversos dos elementos dessa lista, buscando mais liberdade e autonomia no desenvolvimento dos jovens.

Também não pretendo apontar experiências celebradas de escolas que estão trilhando caminhos de sucesso, no Brasil e no mundo, pois já existem várias referências a elas.

Meu foco será em provocar (estimular?) a reflexão e em abordar algumas tendências que surgem para enfrentar o status quo e para reconstruir esse cenário de forma mais moderna e efetiva.

a) A Desescolarização (ou unschooling)

A desescolarização é um movimento que valoriza as oportunidades educacionais (o mais adequado, a meu ver, seria chamar de oportunidades de aprendizado) ocorridas fora da escola: em casa, na comunidade, nos livros, nos jogos ou qualquer outro lugar, refutando a ideia de que adquirir conhecimento dentro da escola é a única maneira de chegar ao sucesso.

Se, por um lado, eu acredito fortemente no aprendizado informal (autônomo, colaborativo e exploratório), principalmente naquele motivado pela necessidade e pelo interesse intrínseco, por outro me inquieta a viabilidade de sua implantação, isolada e em larga.

A desescolarização em pauta virá como uma abordagem “em vez da escola” ou “além da escola”?

Vejo, em um país como o nosso, grandes desafios para a implantação de uma aprendizagem natural, orgânica, eclética, livre e autônoma substitutiva da escola em larga escala. E isso me inquieta menos por conta das crianças e jovens, e mais pela falta de preparação dos pais, que passam a ter um papel ainda mais ativo e fundamental no aprendizado e no desenvolvimento das competências sociointeracionais dos filhos.

Alguns podem dizer que as escolas, em grande parte, também não estão preparadas para isso — o que, devo admitir, é a mais pura verdade — mas isso não nos impede de continuar batalhando para a sua transformação e reinvenção.

Uma nova escola deve vir como uma alternativa de qualidade para todos aqueles que quiserem— principalmente para aquelas famílias que ainda não estão preparadas para o “aprender sem escola”.

b) O Movimento Maker

Tenho acompanhado (timidamente e muitas vezes silenciosamente, mas com muito interesse e alegria) os avanços do Movimento Maker no Brasil, por meio de grandes entusiastas do tema com os quais tive oportunidade de interagir e debater em diversos eventos recentes.

Fiquei bastante feliz quando me deparei com o artigo sobre a adoção das metodologias learning-by-doing em diversas escolas da Califórnia.

https://medium.com/bright/putting-away-the-books-to-learn-77c56d28a7ea

Se você nunca entrou em contato com o tema, o Movimento Maker é uma extensão da cultura Faça-Você-Mesmo, que tem como base a ideia de que as pessoas podem construir, consertar, modificar e fabricar os mais diversos tipos de objetos e projetos com suas próprias mãos e ferramentas.

Com o advento de tecnologias e conceitos como impressão 3D, controladores, hardware aberto, design compartilhado, entre outros, esse movimento ganhou impulso no mundo todo, até alcançar de vez centros de trabalho compartilhado e, naturalmente, escolas / ambientes de aprendizado.

O seu uso no ambiente escolar tem como objetivo desenvolver o empoderamento dos jovens e as competências do acrônimo STEAM (ciências, tecnologias, engenharia, artes e matemática – todas por conta de seus nomes em inglês, claro). Mas, segundo seus defensores, o resultado mais importante do processo de construir com as próprias mãos é o senso de “eu posso fazer isso”.

E, “se eu posso fazer coisas que nem imaginava, posso aprender a fazer qualquer coisa”.

c) Os Nanocurrículos, os MOOCs e a Virtualização em Escala da Aprendizagem

Hoje já é possível para qualquer pessoa com acesso a uma conexão pesquisar, escolher e cursar disciplinas das maiores universidades do mundo, com bastante qualidade e com a possibilidade de ter esse aprendizado certificado ao final do período cursado.

Algumas universidades começam, também, a incorporar conteúdos de outras universidades e de professores estrelados em seus programas, permitindo aos alunos o acesso a um material de alta qualidade a um custo acessível, dada a escala de sua aplicação.

E, apesar de hoje ainda não ser amplamente possível, imagino que veremos um futuro no qual os estudantes não entrarão obrigatoriamente para uma universidade específica, buscando uma formação linear e verticalizada, mas sim serão capazes de construir seus próprios currículos e créditos em diversas universidades e escolas do mundo.

Será que em algum momento o aluno poderá ter o protagonismo de sua formação, com a sociedade aceitando essa quebra de paradigma?

d) O advento de tecnologias para o aprendizado e de novas metodologias de ensino-aprendizagem

Meu papel nos últimos 10 anos como educador me permitiu entrar em contato e experimentar diversas tecnologias que prometiam revolucionar os processos de ensino e aprendizagem, de forma disruptiva.

Algumas vieram tão rápido quanto desapareceram, outras aparentavam serem mais soluções em busca de problemas do que ter aplicabilidade prática.

Destaco, porém, as poucas que me chamaram a atenção.

1) A Aprendizagem Adaptativa

Uma das maiores críticas ao sistema educacional vigente é a incapacidade de adaptarmos o ensino às necessidades de cada criança e de cada jovem.

Em vez de aplicarmos um ensino pasteurizado e nivelado para todos, a aprendizagem

adaptativa permite identificar, por meio de avaliações e aferições, as necessidades de cada participante e possibilita concentrar o desenvolvimento nos conhecimentos e nas habilidades em que este apresentar maiores demandas.

2) A Gamificação do Aprendizado

A Gamificação do Aprendizado consiste na incorporação de elementos de jogos no processo de ensino-aprendizagem, tornando a experiência mais engajante e divertida e, com isso, proporciona resultados mais satisfatórios e retenção mais perene.

Missões e regras claras, feedback instantâneo, progresso visível e contínuo e celebração de conquistas são alguns dos elementos de jogos que se incorporam na mecânica do aprendizado e fazem da Gamificação uma das transformações mais efetivas no setor.

De forma direta e rasteira: aprender tem que ser divertido ou desafiador, ou se torna inócuo.

3) Os simuladores, os ambientes imersivos e a realidade virtual

A democratização dos conteúdos e das tecnologias que permitem o desenvolvimento de experiências simuladas-realísticas, imersivas e de realidade virtual — antes restritas a pequenos nichos — tornam o aprendizado eficaz e efetivo em diversas áreas de conhecimento, desde o ensino de ciências biológicas a incorporação de habilidades operacionais e instrumentais.

O que você acredita ser mais efetivo? Ouvir? Ver? Ler? Ou experimentar e sentir?

4) A mobilidade e o acesso pervasivo à informação

A possibilidade de se ter o acesso instantâneo a informações e a conteúdos (e, no futuro próximo, a assistentes virtuais cada vez mais inteligentes) estimula o aprendizado contextualizado, muitas vezes motivado por demandas específicas, geolocalizadas, processuais ou temporais.

5) A Realidade Aumentada

Inserir elementos adicionais à realidade não é mais apenas uma possibilidade de filmes de ficção científica e pode ser aplicado a qualquer situação, desde conteúdos geográficos, passando por roteiros históricos e painéis descritivos para outros conteúdos científicos. Cabe à criatividade do educador e aos objetivos educacionais almejados o desenvolvimento de toda a sorte de experiências possíveis.

6) O Aprendizado Colaborativo e as Comunidades de Interesse

Aprender junto é melhor que aprender separado. Compartilhar é melhor que acumular. Se você está lendo esse artigo no Medium, está experimentando na prática o que uma comunidade de interesse é capaz de promover.

Vale ressaltar, no entanto, com o perdão do clichê, que a tecnologia terá sempre o papel de meio viabilizador do aprendizado, e não de fim em si mesma.

O objetivo de aprendizado será sempre o rei e o público-alvo, a razão para o sucesso.

Esse não é um exercício de futurologia, mas uma análise de possíveis tendências e, mais do que tudo, um desabafo.

Ficam, então, algumas perguntas, retóricas ou não:

  • Será o fim das escolas como as conhecemos?
  • Será que viveremos uma transformação radical?
  • Ou será que viveremos mudanças incrementais e contínuas para que pouco a pouco esses requisitos sejam atendidos?
  • Será, nesse último caso, que teremos tempo ou sacrificaremos o desenvolvimento de algumas gerações até entendermos o tamanho do desafio?

De todas essas tendências, inquietações e mudanças, só uma coisa (na minha opinião, vale sempre lembrar) é certa: precisamos passar por uma drástica revolução no ensino, e vejo esse momento de inflexão cada vez mais perto e inevitável.

Resta saber se seremos os motores ou seremos atropelados por essa revolução.

“Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão resultados”.

Mahatma Gandhi