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Há males que vêm para o bem

Por Eugênio Mussak
Por uma pequena vila um dia passou uma manada de cavalos a caminho da capital do reino. Um garoto encantou-se por um pequeno potro, e acabou ganhando o cavalinho de presente do cavaleiro-chefe. “Que sorte teve seu filho”, comentou um vizinho com o pai do garoto. “Pode ser sorte ou pode ser azar”, respondeu o pai. O tempo passou, e o cavalinho crescia ao lado do garoto feliz. Entretanto, um dia o cavalo fugiu.“Que azar teve seu filho”, interpretou o mesmo vizinho. “Pode ser azar ou pode ser sorte”, argumentou o pai. Alguns dias depois o potro voltou para o curral, trazendo com ele uma pequena manada de cavalos selvagens. “Que sorte teve seu filho”, insistiu o vizinho palpiteiro.Mais uma vez o pai ponderou que “pode ser sorte ou pode ser azar”.
O menino pôs-se, então, a domar os cavalos, e nessa tarefa acabou caindo e fraturando a perna, o que o deixou imobilizado, sem poder montar nem andar. “Que azar teve seu filho”, disse o mesmo homem. “Pode ser azar mas pode ser sorte”, retrucou o pai, mais uma vez. Foi quando o país a que pertencia a aldeia entrou em guerra e todos os jovens foram convocados e enviados para batalhas sangrentas, mas o jovem não foi, pois estava acamado. “Que sorte teve seu filho”… – e assim a história pode não ter fim.
Esta pequena metáfora nos lembra que nem sempre a conseqüência dos fatos será como seu prenúncio.Uma boa notícia pode se transformar em uma má situação, e a recíproca é verdadeira, pois alguns males que acontecem em nossas vidas podem se transformar em coisas boas, melhores até do que se o mal não tivesse acontecido. Pode ser apenas coincidência, ou pode derivar da capacidade que o ser humano tem de se recuperar, reorganizar os fatos e ter, no final, um balanço positivo a partir de situações aparentemente negativas. É quando dizemos, otimistas, que há males que vêm para o bem. Mas o que há por trás dessa afirmação?
Imprevistos acontecem
À medida que aumenta a sofisticação do mundo, com um número multiplicado de variáveis interferindo em nossas vidas, cresce também a possibilidade de que fatos ocasionais mudem os rumos, alterem os planos e provoquem novas situações, ora melhores, ora piores do que as imaginadas originalmente. Nem sempre as coisas são como gostaríamos, nem como planejamos. É quando afirmamos que imprevistos acontecem, e tratamos de lidar com os fatos novos.Nessas horas entra em jogo a capacidade humana de transformar em ganho o que aparentemente deveria ser uma perda. Mas será que é simples assim?
Imaginemos duas situações diferentes e semelhantes ao mesmo tempo. A primeira: você tem um emprego em que é feliz e de repente é despedido. A sensação inicial é de desespero, ainda que controlado. A auto-estima cai a níveis baixíssimos, o mundo parece hostil e você se sente sozinho. Entretanto, uma semana depois, você é chamado para ocupar uma vaga em outro emprego, com maior salário, melhor ambiente de trabalho e ótimas perspectivas. Tudo deu certo e você – que não teria conseguido o emprego novo se não tivesse perdido o anterior – passa a repetir: há males que vêm para melhor.
A segunda: você resolve abrir seu próprio negócio, usando sua experiência no setor, suas economias e, principalmente, seu otimismo.Mas as coisas não acontecem como planejado. Os fornecedores não são confiáveis, os empregados não se comprometem, os clientes não aparecem.O tempo passa, você tenta todas as saídas,faz propaganda, troca os empregados, consegue um empréstimo no banco para capital de giro. Mesmo assim o sufoco continua e você sente que precisaria de mais tempo para consolidar o empreendimento. Você não tem esse tempo, pois as contas estão vencendo. O final é previsível: você fecha a empresa, fica endividado, sem perspectivas e sem amigos. E leva, a partir de então,muito tempo para se levantar na vida de novo. Mas hoje, quando se lembra do ocorrido, você considera que foi um grande aprendizado, que o fortaleceu e o tornou mais prudente e sábio, e até reconhece que foi bom ter passado por aquele sufoco.
No primeiro caso, o final feliz parece ter vindo de algo mágico, independente de sua vontade. Já no segundo, o bem veio do inestimável aprendizado que só uma experiência ruim pode conceder. Sim, há quem diga que todos os males podem terminar por nos oferecer algo de bom, dependendo apenas da interpretação do fato, o que depende da percepção e da lucidez da pessoa.